quinta-feira, 26 de maio de 2011

Escolhida



Abri o jornal pelo contrário, como faço todos os dias em que ele se encontra sobre o sofá, ou a mesa, porque eu sempre acabo acordando mais tarde, e lendo depois dos outros. Não que isso me incomode - só não tem o mesmo gosto de presente, o papel não está mais lisinho e bem prensado, e ainda, para meu caos, dividem os cadernos. Tem vezes, que não me encontro. Mas quando li ontem, o jornal do dia anterior (sim, tédio), uma frase mexeu aqui dentro. Inquietiou, e fez a manhã mais pensativa, estranha. Eurípides disse "Todo homem é como os companheiros que escolhe ter"; Amizade, ou amor, não me enquadro em tal teoria. Me senti sozinha numa multidão feliz e completa, pela milésima vez. Nunca ninguém me escolheu. Desdenharam quase sempre meus olhos assim pequenos e um pouco puxados, não chineses ou japas, em troca de uns olhos grande, ou cílios curvados e protuberantes. Minhas medidas voluptuosas sempre foram cheias de segundas intenções, nunca encaradas com seriedade. Não quiseram nem o meu jeito romântico-errante, exagerado e inconseqüente. Simplesmente, todos fingem ignorar o meu orgulho na excentricidade, e titubeiam em me escolher. Fiquei o dia inteiro com a dúvida indulgente e pesada na minha consciência, de se eu era tão estranha, tão inadaptável assim, ao chegar ao ponto alto da solidão. Acho a maioria das pessoas que já se aproximaram do meu complicado e conflituoso círculo emocional, tão diferentes de mim. Teve gente sem personalidade. Um pessoal muito frio e racional. E uma galera tão mais estável, ou instável, séria demais ou infantil que eu. Talvez por isso que o bando heterogêneo que eu ainda habitava aqui dentro, indivíduos tão complexos, todos com suas feridas, e traumas, e completamente distintos uns dos outros, tenham todos se esvaído e abandonado o barco. Assim, ao longo do percurso. Mergulhar assim, do rio profundo que eu fazia da minha vida, e do barco alto que protegia meus escolhidos, e queridos. Não, não gosto de deixar as pessoas. É caro para a alma, tira a paz de espírito, e mais: demoro a selecionar meus preferidos, porém, quando acolhidos, são meus.
Me relacionei com opções de sexo contrárias às minhas, de times opostos na rivalidade gre-nal, de cabelos, e cores tão contrárias. Opiniões, o que mais me afasta dessas tribos todas, também. E quase sempre tentei aprender com tais experiências. Vi nisso um desafio extraordinário para o meu aprendizado. Sua amiga está cansada das suas lamentações? Recorra ao seu amigo gay. Se a sua mãe não te agüenta mais, vá para a casa do seu melhor amigo. Ou namorado, se assim tiver e for então, escolhida.
Penso que as diferenças, somam. Que estar próximo a alguém tão parecido, e tão igual, tendo as mesmas dúvidas e complexidades, uns questionamentos parecidos, gostar das mesmas bandas, cores, e programas, não engrandece em nada, e não faz progredir. Ver outros lados desse poliedro complexo, chamado dia-a-dia, vitta, de uma maneira inovadora. Ou apenas, não me conformo de não ser nunca anunciada, ou reconhecida, nesse planeta gigante e azul, denso. Conhecer tanta gente, e nenhum encanto. Uma luz no caminho. Não no fim, porque falta muito para a velhice. Uns raios temporários, que me venham ainda, ou por vezes, esporadicamente, mas que ocorram. Pessoas complexas, mas diferentes de mim. Eu gosto, e aprendo. Gosto de ver pessoas tão calculistas, ou exaltivas, cansativas. Ver seus comportamentos, analisar cada minúcia, trajetos e suas escolhas. Ou rir, demais, de tudo. Se divertir. Nessa diversidade extensa que agora é o mundo, nada melhor do que fazer parte da mistura miscigenada de cores, sons, vozes e aparências que hoje existem! E aprender: com tanta diferença, com muito amor. Escolho e ainda continuo escolhendo o que me brilha, o que me colore e ilumina. Aquilo que acende alguma luz interna, diferente da minha, que às vezes brilha de tão cega, forte. Ou apaga, sem razão alguma. Porque razão, comigo não funciona. Coração toma a frente dianteira, e age antes, age sempre.

                                                                                                                                                                                                                                 Camila Paier

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