domingo, 29 de maio de 2011

Modo de usar-se.



"Coitada, foi usada por aquele cafajeste". Ouvi essa frase na beira da praia, num papo que rolava no guarda-sol ao lado. Pelo visto a coitada em questão financiou algum malandro, ou serviu de degrau para um alpinista social, sei lá, só sei que ela havia sido usada no pior sentido, deu pra perceber pelo tom do comentário. Mas não fiquei com pena da coitada, seja ela quem for.

Não costumo ir atrás desta história de "foi usada". No que se refere a adultos, todo mundo sabe mais ou menos onde está se metendo, ninguém é totalmente inocente. Se nos usam, algum consentimento a gente deu, mesmo sem ter assinado procuração. E se estamos assim tão desfrutáveis para o uso alheio, seguramente é porque estamos nos usando pouco.

Se for este o caso, seguem sugestões para usar a si mesmo: comer, beber, dormir e transar, nossas quatro necessidades básicas, sempre com segurança, mas também sem esquecer que estamos aqui para nos divertir. Usar-se nada mais é do que reconhecer a si próprio como uma fonte de prazer.

Dançar sem medo de pagar mico, dizer o que pensa mesmo que isso contrarie as verdades estabelecidas, rir sem inibição – dane-se se aparecer a gengiva. Mas cuide da sua gengiva, cuide dos dentes, não se negligencie. Use seu médico, seu dentista, sua saúde.

Use-se para progredir na vida. Alguma coisa você já deve ter aprendido até aqui. Encoste-se na sua própria experiência e intuição, Honre sua história de vida, seu currículo, e se ele não for tão atraente, incremente-o. Use sua voz: marque entrevistas.
Use sua simpatia: convença os outros. Use seus neurônios: pra todo o resto.

E este coração acomodado aí no peito? Use-o, ora bolas. Não fique protegendo-se de frustrações só porque seu grande amor da adolescência não deu certo. Ou porque seu casamento até-que-a-morte-os-separe durou "apenas" 13 anos. Não enviúve de si mesmo, ninguém morreu.

Use-se para conseguir uma passagem para a Patagônia, use-se para fazer amigos, use-se para evoluir. Use seus olhos para ler, chorar, reter cenas vistas e vividas – a memória e a emoção vêm muito do olho. Use os ouvidos para escutar boa música, estímulos e o silêncio mais completo. Use as pernas para pedalar, escalar, levantar da cama, ir aonde quiser. Seus dedos para pedir carona, escrever poemas, apontar distâncias. Sua boca pra sorrir, sua barriga para gerar filhos, seus seios para amamentar, seus braços para trabalhar, sua alma para preencher-se, seu cérebro para não morrer em vida.

Use-se. Se você não fizer, algum engraçadinho o fará. E você virará assunto de beira de praia.

                                                                                                                                                                                                             Martha Medeiros

sexta-feira, 27 de maio de 2011

 “Eu gostaria de lhe agradecer pelas inúmeras vezes que você me enxergou melhor do que eu sou. Pela sua capacidade de me olhar devagar, já que nessa vida muita gente já me olhou depressa demais.”


E aquela pequena menina tinha tudo. Tinha amor, uma família completa, dinheiro, uma vizinhança ótima, uma mãe normal, um pai carinhoso, e uma melhor amiga espetacular. Até que o amor foi-se acabando, a família ficou incompleta, o dinheiro ficou curto, a vizinhança mudou, a mãe que se dizia normal não era tão normal assim, o carinho do pai já não era o mesmo e aquela amiga espetacular acabou a decepcionando! Tudo mudou pra ela, a vida dessa pequena já não era a mesma, e nem ela era a mesma, faltava um brilho no olhar, um sorriso no rosto, e sua vida normal, ou que se dizia normal. Não havia muito que fazer com aquela pequena menina, pois acabou-se tudo quando a vida dela se transformou! Ela chorava, esperneava, queria sua vida de volta! Queria seu sorriso de volta! Passando-se os tempos ela percebeu que uma coisa não havia acabado, o amor! Ela tinha muito amor, de sua mãe, mesmo sendo um pouco 'anormal', de sua família, mesmo incompleta, de sua nova vizinhança que a admirava, de seus novos amigos que a amava, e de uma pessoa especial que havia encontrado! Distanciou-se um pouco de seu pai, por motivos justos, ou não. - Ele continuava sendo seu pai, mesmo depois de qualquer coisa que tenha feito! - Isso é o que todos diziam a ela. Passou a gostar de sua nova, nem tão nova assim, vida. Mas cada dia é um dia, cada passo é um passo, e as coisas passam. Hoje ela está bem feliz, talvez bem mais feliz do que era com toda sua mordomia. Hoje ela pode cantar ao som dos pássaros e dar graças deus por ter encontrado pessoas especiais como as que estão com ela, e mais uma vez posso ver que o amor nunca acaba, mesmo que pequeno, ele nunca acaba! Mas não cheguei ao fim ainda, essa história tem um longo percurso, espero eu, só não posso reescrever o que Deus já escreveu para essa pequena, já nem tão pequena assim, menina.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Escolhida



Abri o jornal pelo contrário, como faço todos os dias em que ele se encontra sobre o sofá, ou a mesa, porque eu sempre acabo acordando mais tarde, e lendo depois dos outros. Não que isso me incomode - só não tem o mesmo gosto de presente, o papel não está mais lisinho e bem prensado, e ainda, para meu caos, dividem os cadernos. Tem vezes, que não me encontro. Mas quando li ontem, o jornal do dia anterior (sim, tédio), uma frase mexeu aqui dentro. Inquietiou, e fez a manhã mais pensativa, estranha. Eurípides disse "Todo homem é como os companheiros que escolhe ter"; Amizade, ou amor, não me enquadro em tal teoria. Me senti sozinha numa multidão feliz e completa, pela milésima vez. Nunca ninguém me escolheu. Desdenharam quase sempre meus olhos assim pequenos e um pouco puxados, não chineses ou japas, em troca de uns olhos grande, ou cílios curvados e protuberantes. Minhas medidas voluptuosas sempre foram cheias de segundas intenções, nunca encaradas com seriedade. Não quiseram nem o meu jeito romântico-errante, exagerado e inconseqüente. Simplesmente, todos fingem ignorar o meu orgulho na excentricidade, e titubeiam em me escolher. Fiquei o dia inteiro com a dúvida indulgente e pesada na minha consciência, de se eu era tão estranha, tão inadaptável assim, ao chegar ao ponto alto da solidão. Acho a maioria das pessoas que já se aproximaram do meu complicado e conflituoso círculo emocional, tão diferentes de mim. Teve gente sem personalidade. Um pessoal muito frio e racional. E uma galera tão mais estável, ou instável, séria demais ou infantil que eu. Talvez por isso que o bando heterogêneo que eu ainda habitava aqui dentro, indivíduos tão complexos, todos com suas feridas, e traumas, e completamente distintos uns dos outros, tenham todos se esvaído e abandonado o barco. Assim, ao longo do percurso. Mergulhar assim, do rio profundo que eu fazia da minha vida, e do barco alto que protegia meus escolhidos, e queridos. Não, não gosto de deixar as pessoas. É caro para a alma, tira a paz de espírito, e mais: demoro a selecionar meus preferidos, porém, quando acolhidos, são meus.
Me relacionei com opções de sexo contrárias às minhas, de times opostos na rivalidade gre-nal, de cabelos, e cores tão contrárias. Opiniões, o que mais me afasta dessas tribos todas, também. E quase sempre tentei aprender com tais experiências. Vi nisso um desafio extraordinário para o meu aprendizado. Sua amiga está cansada das suas lamentações? Recorra ao seu amigo gay. Se a sua mãe não te agüenta mais, vá para a casa do seu melhor amigo. Ou namorado, se assim tiver e for então, escolhida.
Penso que as diferenças, somam. Que estar próximo a alguém tão parecido, e tão igual, tendo as mesmas dúvidas e complexidades, uns questionamentos parecidos, gostar das mesmas bandas, cores, e programas, não engrandece em nada, e não faz progredir. Ver outros lados desse poliedro complexo, chamado dia-a-dia, vitta, de uma maneira inovadora. Ou apenas, não me conformo de não ser nunca anunciada, ou reconhecida, nesse planeta gigante e azul, denso. Conhecer tanta gente, e nenhum encanto. Uma luz no caminho. Não no fim, porque falta muito para a velhice. Uns raios temporários, que me venham ainda, ou por vezes, esporadicamente, mas que ocorram. Pessoas complexas, mas diferentes de mim. Eu gosto, e aprendo. Gosto de ver pessoas tão calculistas, ou exaltivas, cansativas. Ver seus comportamentos, analisar cada minúcia, trajetos e suas escolhas. Ou rir, demais, de tudo. Se divertir. Nessa diversidade extensa que agora é o mundo, nada melhor do que fazer parte da mistura miscigenada de cores, sons, vozes e aparências que hoje existem! E aprender: com tanta diferença, com muito amor. Escolho e ainda continuo escolhendo o que me brilha, o que me colore e ilumina. Aquilo que acende alguma luz interna, diferente da minha, que às vezes brilha de tão cega, forte. Ou apaga, sem razão alguma. Porque razão, comigo não funciona. Coração toma a frente dianteira, e age antes, age sempre.

                                                                                                                                                                                                                                 Camila Paier

sábado, 21 de maio de 2011


Cuido detalhadamente da maquiagem, pra que fique im-pe-cá-vel. Blush marrom-alaranjado, batom rosa nos lábios e rímel alongador. Vestes harmoniosas, pensadas por horas à fio. Ankle boots nos pés, e a rua como caminho notívago. Duas quadras, e ei moça: sua meia-calça está desfiada. À cem metros do salão de festas. E obrigada por avisar, mas que se dane. Presto atenção aos detalhes, e esqueço o conjunto inteiro. Cabeça nas nuvens, olhos na Lua. Distraída como sempre, é incontável o número de chaves perdidas, casacos esquecidos, bolsas em cima de mesas abandonadas. Dá pra prestar mais atenção, menina? Olha, dar, até dá. Mas quanto mais me empenho em me concentrar pra que tudo saía perfeito, e sem nenhum esquecimento, caio novamente em distrações febris e passageiras. Naquela esquina com cheiro de pizza de banana; na mancha avermelhada do meu vestido; naquela rima em verso, que grudou na cabeça e não saí. Nas partes bonitas, de um todo. O que nem sempre é distração, pode virar ação. Palavras, contextos, inspiração. (...)

                                                                                                                                                                                                                           Camila Paier

sábado, 14 de maio de 2011


"Eu gosto de errar. Sinto o cheiro e gosto dos meus erros e simpatizo com eles. O certinho me causa desconfiança. Antipatizo com o correto. Prefiro a minha infelicidade com flashes de felicidade momentânea... Esperar não é para mim. Produzo teorias que não servirão para nada. Invento palavras que não existem, faço meu próprio dicionário. Crio definições que só eu uso e, ainda por cima, me mato de rir. Prefiro a minha insanidade com flashes de sanidade instantânea... O que presta é o que me interessa. O que eu quero, agarro. O que eu desejo, abraço. O que eu sonho, desenho. O que eu imagino, escrevo. O que eu sinto, escondo. A perfeição está no meu humor. Está na minha emoção. Está nas minhas linhas tortas e devaneios tolos. Nem sempre minhas ações condizem com as minhas palavras. Me conheça. Me decifre. Me ame. Me devore"

                                                                                                                                                                                                                            Clarissa Corrêa